Dia um em Lisboa e Bechara
Passo rapidamente para avisar que vou lançar “Dia um” em Lisboa. Estou superfeliz com o lançamento e com a possibilidade de me aproximar do público português, intento tão antigo quanto meus livros anteriores (lancei “A ilha é ela mesma” e “Descalço nos trópicos sobre pedras portuguesas” em Lisboa também).
Segue abaixo o convite caso então você more em Lisboa ou conheça alguém que more na cidade. Aquela ajuda sempre é bem-vinda.
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Um lamento: a morte de Evanildo Bechara, meu gramático favorito. Escrevi um pouco sobre a gramática dele nesta newsletter. Reproduzo o texto abaixo. Tive oportunidade de conhecê-lo numa entrevista que fiz para a Piauí. Muito gentil e aberto o Bechara enquanto eu, absolutamente fora de compasso, puxei assunto sobre uma passagem da gramática em que há uma visão bastante particular sobre predicativo. Ele foi um lorde em conversar comigo por bons minutos sobre o modo como via a questão. Ouviu - hehehe - minha sugestão sobre o tema. Estou tentando achar a foto que tenho com ele, peraí… achei.
Moderna gramática portuguesa (Evanildo Bechara)
Essa gramática é caótica. É inacreditável que Bechara seja considerado conservador, ao menos pelo que ele escreve. É uma gramática que respeita muito pouco o que aprendemos no colégio, ou seja, o que ficou estabelecido pela NGB. Para mim é uma gramática experimental, uma coisa de linguista muito prolífico. Ele repete explicações, se contradiz, separa o que seria objeto indireto de um termo gramatical antigo chamado complemento relativo, nomeia de uma forma diferente as orações, tem teorias estranhas sobre o predicativo, enfim, é uma doideira. É complicada mesmo. E adorável. Arriscada. Diferente de todas as gramáticas que já li. Parece um texto despreocupado, com pouca revisão, eu sei lá qual é o mistério dessa gramática e por que ela vende tanto e é vista como baluarte da regra do português.
É uma gramática muito corajosa, um livro arriscado sobre o português do Brasil e de Portugal, um livro que muitas vezes soa incompleto, e por essas lacunas talvez seja tão simpático e genial.
Este trecho sobre próclise é um dos meus favoritos:
Ainda que não vitoriosa na língua exemplar, mormente na sua modalidade escrita, este princípio é, em nosso falar espontâneo, desrespeitado, e, como diz Sousa da Silveira, em alguns exemplos literários, a próclise comunica “à expressão encantadora suavidade e beleza”. Alguns modernistas, com Mário de Andrade à frente, tentaram estender essa próclise inicial de enunciado a todos os pronomes átonos, exagerando, porque isto não ocorre com o, a, os, as: O vi. Depois, só Mário persistiu no uso, apesar das ponderações de Manuel Bandeira.
Mário de Andrade exagerou aqui, acho eu.
Aprendi bastante na seção sobre preposição e também com a radical proposta de substantivação de várias orações subordinadas que poderiam ser lidas como adjetivas. Também acho rara a percepção de que existem orações reduzidas que não podem ser desenvolvidas. Isso, eu sei, parece tedioso. Mas não sei explicar de outra forma e nenhum exemplo confirmaria o que posso afirmar por mim: não é!
O que eu hoje uso conscientemente desta gramática: a ideia de que algumas orações coordenadas na verdade funcionam como advérbio. Isso aprendi melhor no Guia prático do português correto, do linguista Cláudio Moreno. Esse entendimento me ajudou a pontuar de modo mais seguro. E fiquei calmo com o ponto e vírgula. Celso Pedro Luft, mestre do Cláudio Moreno, já implicava com esta pontuação a seguir:
O voo sai às nove, portanto, espero vocês às oito em ponto. É como se o “advérbio” portanto iniciasse uma oração, e assim não pudesse estar intercalado. Seriam necessários ou uma única vírgula (Cláudio Moreno nem a vírgula aceita), ou um ponto e vírgula, ou um ponto final.
O voo sai às nove, portanto espero vocês às oito em ponto.
O voo sai às nove; portanto, espero vocês às oito em ponto.
O voo sai às nove. Portanto, espero você às oito em ponto.É uma coisinha à toa, eu sei, mas no correr do texto, não sei bem, pode ajudar. Uma vírgula, outra vírgula, um parágrafo dão um livro.
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